16/09/2012

DA CRISE EM QUE VIVEMOS

Já tenho dado noutros locais, nomeadamente e-mail e facebook, a minha opinião sobre a situação que atravessamos e que, obviamente, não é nova. Tivemos, entretanto, uma manifestação dantesca que congregou literalmente o Povo, assim com A maiúsculo, desde os filhos pequenos aos adultos de várias classes. Não, foi, todavia, uma manifestação contra a TSU ou contra Passos Coelho. A TSU é apenas o argumento para se mostrar, mais do que qualquer inquietação, um generalizado descontentamento com a  classe política em geral.
 
Depois de uma governação ruinosa do PS que em particular no último mandato nos endividou por gerações com as parcerias público-privadas a vinte anos (e não era por acaso que já ia na tentativa de que lhe aprovassem o PEC IV, cada ajustamento mais ruinoso do que anterior e daí a queda do governo), o governo de Passos Coelho começa por ganhar essa criminosa dívida que hoje e durante muito tempo iremos pagar, atado pela troika que lhe ditou qual seria o Orçamento de Estado, e essa austeridade a que não estávamos habituados (muito pelo contrário) foi sendo reprimida até agora com a gota no copo de água da TSU.
 
Num encontro no Centro Cultural de Belém sob Portugal e o futuro, e a esperança e... gostei  particularmente das palavras do maestro Rui Massena que aqui não cabe desenvolver, mas onde explicou o que, no seu pensamento, são os motivos que hoje nos trazem à situação em que estamos, e tão díspares quanto a substituição do homem pela máquina ou a constante procura de novas oportunidades que, no seu entender, muita vezes são mais uma projecção do que oportunidades em si. Ou o Tolentino, hoje padre e poeta e pensador, que conheci quando ainda colaboradores na altura do DN-Jovem (uma secção para jovens poetas no Diário de Notícias), que dizia que "o momento actual é de enorme complexidade, sobretudo para quem nada tem", mas que "não podemos viver como homo economicus, como se a economia fosse tudo".
 
Gosto sempre de fazer luz sobre o que se passou, de não fazer tábua rasa das coisas, e esquecemo-nos muito depressa das manifestações dos precários ainda com Sócrates ao leme, e dos indignados! E que a própria TSU estava definida por Sócrates muito embora nunca pensasse usá-la, mas isso também Passos Coelho pensou não usar! Acontece que ao cortar subsídios como forma de evitar redução na despesa (e já lá vamos), viu o PS a enviar ao Tribunal Constitucional a (in)constitucionalidade da norma, e, por essa forma, não podendo mexer aí, só encontrou a TSU como forma  de obter receita para tapar a dívida pública. Ora não foi por acaso que Cavaco não vetou o actual Orçamento de Estado, já que implicaria consequências drásticas para quem, ainda timidamente, estava a começar a pagar a dívida, e timidamente tinha recebido tranches de dinheiro da suposta maléfica troika. Da mesma maneira, o próprio Tribunal Constitucional que decretou a norma inconstitucional, tendo em conta a grave situação do país, declarou-a apenas com efeitos a partir de 2013 (o que, a meu ver, é um erro técnico, por não lhe caber pronunciar-se sobre opções políticas). Mas isto para dizer que, tal como o Presidente da República, não se limitou a dizer "faça-se isto ou aquilo" sem cuidar das implicações imediatas numa situação de crise.
 
Ora este é que é o busílis da coisa: a situação de emergência e de crise em que vivemos. E em situações excepcionais, temos, obviamente, de tomar medidas excepcionais. E precisamente por há já um ano andarmos todos pacientemente a fazer sacrifícios sem protestar, é que esta medida veio despoletar o transbordar do copo, mas ainda assim com outras motivações. Tenho, para mim, que se a idiota do PS que por qualquer coisa requer a constitucionalidade das normas ao Tribunal como se vivêssemos em tempos normais, o não tivesse feito, é certo que os funcionários públicos estariam com cortes de subsídios, mas pelo menos não viam a vida piorar ao fim do mês com mais 7% de descontos para a TSU, agora uma solução encontrada (e esperemos que venha a ser remediada)!
 
Todas as acções têm consequências e as coisas não podem ser vistas numa métrica de três simples! Nem tudo é pão-pão-queijo-queijo, porque também há pão com queijo, e quando estamos com uma dívida brutal fruto dos últimos quinze, vinte anos, e em particular do segundo mandato de Sócrates que conseguiu desnivelar as contas públicas a um grau de mentira e ilusão tais, que estamos como estamos, e onde o autismo do governo de Cavaco nos idos anos 80 são um mimo se comparado com os malabarismos com que Sócrates dourou as medidas, então temos de perceber que fomos nós que nos endividámos ao votar de novo em Sócrates no seu segundo mandato cujas medidas nos trouxeram directamente aqui (porque falo agora das medidas conjunturais tomadas pelo último governo e não pelas medidas estruturais que, como o nome indica, vêm desde a fundação de Portugal!
 
Escrevia a amiga Ana, no seu blog, entre outras coisas, que a crise é de valores, e obviamente que sim! É a ganância económica que nos traz aqui, e estas manifestações não são assim tão solidárias quanto isso, já que cada um vai pelo seu quinhão e está-se pouco ralando com os motivos que levam o vizinho do lado a manifestar-se. Quando, por exemplo, uma outra amiga se insurge contra os cortes na reforma de 1100 e 1500 euros, esquece-se, uma vez mais, que apenas em condições ideais os cortes não devem ser feitos, tal como um normal trabalhador não deve ter cortes no vencimento e/ou no subsídio de férias em condições normais, mas quando andava tudo a seguir a política patriótica de quem hoje vive a rir-se de nós, comodamente instalado em Paris numa vida faustosa, sem que se lhe reconheçam rendimentos para isso, que não a profissão de engenheiro mecânico e Primeiro Ministro (e isto, obviamente diz tudo), não pensavam que iria haver consequências. Assim como hoje, muito embora a maioria não siga uma política neo-liberal do actual governo, e embora possamos e devamos dar cartões amarelos, não podemos simplesmente dizer as coisas sem sentido de responsabilidade e de memória. Memória para nos lembrar o que nos trouxe aqui, onde António José Seguro muito mais bem intencionado que o criminoso Sócrates, que devia ter tido o tratamento que a Islândia deu aos seus ministros através de responsabilização criminal por mexer no dinheiro público como se fosse dele, tem também inúmeros problemas dentro do partido precisamente dos tais barões socráticos que estão aí e bem vivos, e de quem não podemos dexiar de assacar muito mais que 50% da actual crise, e não da governação de D. Pedro ou do reinado afonsino...
 
A manifestação poderá ter o condão (precisamente porque não é convocada pela interesseira CGTP ou por grupos partidários) de dizer a Passos Coelho que reconsidere as medidas, mas até nisto a coisa é complicada, sabem porquê? Porque o grave da situação deixada foi tal, que estamos a braços para pagar os 78 mil milhões, e que mesmo as alternativas são demagógicas! Seguro, por exemplo, fala em investimento estatal por alternativa aos impostos, mas não apenas foi exactamente isso que nos trouxe a este pântano, como não temos simplesmente dinheiro para o fazer, e como dizia um analista, a menos que vá à Casa da Moeda, não se sabe onde o arranjaria... Portanto, é sempre fácil falar e criticar, mas é importante refectir nas coisas.
 
Porque é que o Estado não corta nas gorduras? Simples: pelo mesmo motivo que nem Louçã, Jerónimo Martins ou José Seguro o fariam. Sabem porquê? Porque importa saber o que é cortar nas gorduras, e fazê-lo é iniciar despedimentos na função pública, prestações sociais, fusão e extinção de institutos e fundações, e ninguém entusiasma o povo com isso...
 
Concluo dizendo que não sou a favor de muitas medidas de Passos Coelho, mas não apenas vivemos um situação de emergência que não se compadece de medidas fáceis obrigando a uma atitude particularmente impopular, como as alternativas são praticamente inexistentes. De resto, se Passos tivesse feito tudo o que a troika pediu e que tem a ver com falhas estruturais da nossa economia, não teria necessitado de nenhuma TSU, mas também já o governo tinha caído, porque se nesta manifestação um rapaz se quis imolar pelo fogo  e outros brincavam com petardos, então noutras já tinhamos imitado a Grécia numa espiral suicida... e ainda nem sequer falo da crise internacional que fez com que um pouco por toda a Europa outras manifestações tivessem acontecido e que, obviamente, nada tinham a ver com a TSU.